O Dr. José Reis foi co-autor de um artigo na principal revista portuguesa de Ginecologia-Obstetrícia, a Acta Obstétrica e Ginecológica Portuguesa, intitulado “Endometriose: pequenos avanços, grandes mudanças”.

A endometriose é uma doença inflamatória crónica, dependente de estrogénios, caracterizada pela presença de tecido endometrial fora da cavidade uterina. Afetando cerca de 10% das mulheres em idade reprodutiva, é uma das principais causas de dor pélvica crónica e infertilidade. A doença pode ter manifestações clínicas amplamente variáveis, desde casos assintomáticos até quadros severos que comprometem significativamente a qualidade de vida.
O diagnóstico precoce permanece um desafio devido à inespecificidade do quadro clínico e à semelhança dos sintomas com outras patologias ginecológicas. Em média, o intervalo entre o início dos sintomas e o diagnóstico é de 8 a 12 anos, refletindo a necessidade de maior consciencialização entre profissionais de saúde e doentes. Em adolescentes, os sintomas como dismenorreia e dor pélvica são frequentemente subvalorizados, atrasando ainda mais o diagnóstico da doença.
Embora a causa ainda não esteja elucidada, avanços em pesquisas genéticas, imunológicas e hormonais têm ampliado a nossa compreensão sobre a doença. A conduta terapêutica é complexa e multifatorial, exigindo estratégias individualizadas que considerem os sintomas, a localização das lesões e os objetivos reprodutivos da paciente.
Diagnóstico
O diagnóstico da endometriose exige uma abordagem multimodal, composta por:
– História clínica detalhada: Identificar sintomas típicos como dor menstrual, dor pélvica crónica, dor nas relações sexuais, dor ao evacuar e infertilidade. Sintomas extra-pélvicos, como dor torácica cíclica e pneumotórax catamenial, podem indicar formas raras de endometriose.
– Exame físico: Palpação de nódulos nos fundos de saco vaginais e a avaliação de aderências e mobilidade uterina são fundamentais.
– Exames de imagem: A ecografia transvaginal é o método inicial mais utilizado, com boa sensibilidade para identificar endometriomas. A ressonância magnética oferece melhor caracterização em casos de endometriose infiltrativa profunda.
– Laparoscopia: Considerada padrão-ouro para confirmação diagnóstica, o seu uso é cada vez mais reservado a casos refratários ao tratamento médico ou com indicação cirúrgica específica.
Biomarcadores moleculares emergentes, como microRNAs, têm mostrado grande potencial na deteção precoce da doença, com altas taxas de sensibilidade e especificidade. Estudos clínicos em curso poderão validar seu uso na prática clínica.
História Natural
A endometriose apresenta três principais tipos de lesões:
1. Endometriose peritoneal superficial: Lesões evolutivas (vermelhas, pretas e brancas) associadas a diferentes estágios de atividade inflamatória.
2. Endometriomas: quistos ováricos que podem comprometer a fertilidade e a função ovárica.
3. Endometriose infiltrativa profunda: Lesões que invadem o peritoneu em mais de 5 mm, frequentemente associadas a dor intensa e comprometimento de órgãos.
· As principais teorias sobre a etiologia incluem:
– Menstruação retrógrada: Proposta por Sampson, sugere que o refluxo menstrual transporta células endometriais para a cavidade peritoneal, onde elas se implantam.
– Metaplasia celomica: Explica casos de endometriose em locais distantes da pelve, como pulmões e cérebro.
– Células estaminais: Evidências indicam que células da medula óssea podem contribuir para o desenvolvimento de implantes ectópicos.
– Alterações imunológicas: A disfunção imunológica permite que células endometriais sobrevivam fora do útero, perpetuando a inflamação.
Os estrogénios têm um papel central, promovendo a proliferação tecidual e agravando o processo inflamatório. A resistência à progesterona nos focos ectópicos limita a eficácia de tratamentos hormonais. A interação entre fatores genéticos e ambientais também desempenha um papel importante, com maior prevalência da doença em parentes de primeiro grau.
Tratamento
A terapêutica da endometriose deve ser orientada para:
1. Controlo dos sintomas.
2. Preservação da fertilidade.
3. Melhoria da qualidade de vida.
Tratamento Médico
– Anti-inflamatórios não esteroides (AINEs): Úteis no controlo da dor, apesar de evidências limitadas.
– Terapêuticas hormonais:
– Estroprogestativos e progestativos isolados: Primeira linha para controle da dor. Progestativos como dienogest têm alta eficácia e perfil de segurança favorável.
– Agonistas e antagonistas de GnRH: Reduzem os níveis de estrogénio, controlando os sintomas. Os antagonistas orais, como elagolix e relugolix, representam uma alternativa atual, com menor impacto na massa óssea devido à possibilidade de terapia “add-back”.
– Inibidores de aromatase: Reservados para casos refratários devido a efeitos colaterais.
Tratamento Cirúrgico
A cirurgia é indicada em situações específicas:
– Suspeita de malignidade.
– Comprometimento de órgãos (reto, bexiga ou ureteres).
– Refratariedade ao tratamento médico.
A laparoscopia é o método de escolha para remoção de lesões e restauração da anatomia pélvica. A abordagem dos endometriomas ováricos deve ter em conta a preservação da reserva ovárica. A preservação da fertilidade deve ser discutida, incluindo opções de criopreservação de oócitos ou embriões.
Terapêuticas Emergentes e Tratamento Holístico
Novas abordagens, como moduladores seletivos de receptores hormonais, agentes imunomoduladores e antioxidantes, estão em desenvolvimento. Além disso, o impacto psicossocial da doença requer atenção multidisciplinar. Fisioterapia, suporte psicológico e ajustes nutricionais podem complementar a abordagem médica e cirúrgica, melhorando a qualidade de vida.
Conclusão
A endometriose é uma doença complexa, crónica e multifacetada que afeta a saúde física e emocional das mulheres. A abordagem ideal requer:
– Diagnóstico precoce, baseado em critérios clínicos e exames não invasivos.
– Terapêuticas personalizadas, com tratamento médico em primeira linha e terapêutica cirúrgica para casos selecionados. O objetivo central deve ser a melhoria global da qualidade de vida, colocando as necessidades e valores das pacientes no centro das decisões terapêuticas.

O diagnóstico precoce da endometriose continua a ser um dos maiores desafios. A consciencialização e a aposta em estratégias inovadoras, como biomarcadores moleculares, são cruciais para transformar a realidade destas pacientes.